Visão aérea da orla de Salvador |
As ladeiras do Pelô |
O post precisa começar assim: a Bahia faz parte do nordeste do Brasil, sim senhor. Então porque é que o post da Bahia está fora da página da região nordeste??? Acontece que como disse a música... “Acontece que eu sou baiano...” Então me responda qual o baiano em sã consciência vai falar bem pouquinho do seu estado natal, local com uma das comidas mais singulares, reverenciadas e apreciadas de todo o país?
Falar de Bahia sempre é um prazer. Eu, Larissa, sou mestre em Cultura pela UFBA e meu tema de pesquisa é comida baiana, mas precisamente esta interconexão que faz da comida baiana um, perdão pelo trocadilho, prato cheio para a baianidade e vice-versa. A intensão não é fazer um post do tamanho do mundo, mas é mostrar que a Bahia não se restringe ao Recôncavo e que, em se tratando de Recôncavo, a alimentação baiana não se restringe ao dendê.
Para fazer você se apaixonar por São Salvador da Bahia, porta de entrada da terra onde o Brasil foi descoberto, e primeira capital do país vamos usar do recurso que faz bem a vista e a alma – fotos. Fotos de comida e da nossa bancada (e também de alguns fotógrafos talentosos) em pontos turísticos de Salvador e da Bahia porque o estado possui 417 municípios e explorar alguns deles vale muito a pena. Afinal, como diria Fernando Pessoa (o poeta mais lusófono que conheço): “Tudo vale a pena se a alma não é pequena”.
Questões importantes:
Por que chamamos a Bahia de Bahia, quando muitas vezes nos referimos a Salvador?
A Bahia é um dos nove estados da região nordeste do Brasil. Trata-se de um estado grande, com uma extensão de 564.692,67 km², 417 municípios e uma das capitais mais populosas do país. Pela sua dimensão, a Bahia é cheia de diferenças e também contrastes que variam de acordo com o clima, proximidade geográfica com outras regiões, ou até mesmo da origem dos colonizadores de cada uma dessas áreas, que, de tão vasta, poderia ser comparada, em termo de extensão, ao tamanho de um país, a exemplo da França. O estudioso baiano Thales de Azevedo propôs estudar a Bahia dividindo-a em seis subáreas com características próprias, a capital Salvador e recôncavo dos antigos senhores de escravos; a região nordeste do sertão e cangaço; o sudoeste do cacau; o planalto central das lavras diamantinas; o vale do São Francisco; e o planalto ocidental.
A dúvida sobre o motivo pelo qual se fala a todo o tempo de Bahia, quando na verdade tem-se a intenção de falar de apenas uma parte desse todo, é pertinente. Desde tempos remotos, convencionou-se chamar assim a cidade do Salvador, fundada em 1549, a primeira do império português nas Américas. O termo sempre foi muito utilizado por viajantes vindos de capitanias hereditárias próximas e menos desenvolvidas, como Porto Seguro, Ilhéus e Ilha de Itaparica, as quais, posteriormente, foram incorporadas ao que hoje corresponde ao território do estado da Bahia, assim como por pessoas de outras regiões mais distantes do império, quando vinham à capital. O fato de Salvador ser banhada pela Baía de Todos os Santos, que dá nome ao estado como um todo, é uma das explicações plausíveis para que esse costume, que se configura até os dias atuais entre estudiosos, representantes do trade turístico e a população brasileira de modo generalizado, seja ainda amplamente difundido.
O que tem mais pra comer além de dendê?
Tudo o que se come no Brasil, porque dendê é que é a exceção, comida para dia especial, de festa na casa das famílias – a exemplo da Semana Santa e o caruru de Cosme e Damião. Acarajé e vatapá diários, como ronda o imaginário popular, são alimentos apenas ligados ao turismo nos restaurante denominados típicos, tabuleiro das baianas, na sexta-feira nas comidas a quilo, assim como também na religião, através das comidas votivas do candomblé. O baiano médio come muito arroz com feijão, alguma proteína animal, farinha e a depender uma saladinha de alface. Tem muito saída os pratos de frutos do mar, principalmente crustáceos, na Ilha de Itaparica e no Baixo Sul, influência do sul do país na região oeste – celeiro agrícola e muita culinária sertaneja em todos os locais de vegetação árida, com destaque para o peixe de água doce na região do São Francisco, o bode, o umbu, a palma e os doces de corte. Independente das particularidades o consumo de pão é alta e cada vez mais os baianos têm ingerido mais café – há plantação no sudoeste e na chapara mas geralmente não é para o mercado externo. O consumo de frutas, leguminosas e, por exemplo, de tubérculos, varia de acordo com a classe social e a região onde se vive, já que frutas típicas e as grandes diferenças climáticas no território baiano influenciam na disponibilidade e predileção por certos grupos alimentares. As comidas típicas, mesmo as sem dendê seguem na sequencia.
Considerações sobre os principais Pratos da Cozinha baiana a partir dos livros: A arte culinária na Bahia de Manuel Querino; A cozinha bahiana – seu folclore, suas receitas de Hildegardes Vianna; Caderno de Xangô de Sodré Viana; Cozinha Bahiana de Darwin Brandão, Candomblés da Bahia de Edison Carneiro e a Culinária Afro-baiana de Guilherme Radel (trecho da dissertação Pitadinha de Dendê de Larissa Ramos – todos os direitos reservados)
Abará - Sodré Vianna denomina de abalá e não menciona a mistura do camarão seco na massa. Hildegardes Vianna reconhece as duas grafias. Apesar de nenhum deles primar pelas quantidades, no quesito detalhamento, a folclorista é a que passa mais informações. Ela assinala a importância da grande quantidade de azeite de dendê – componente marcante dentro da comida baiana, e por isso mesmo muito explorado pelo discurso da baianidade –, para amaciar a massa, e também a destreza no contato com a água, que pode vir a solar o abará. Manoel Querino é muito breve ao falar sobre o abará, o qual ele lista entre os alimentos puramente africanos, citando a pedra de ralar como utensílio para moer o feijão. A receita de Darwin Brandão é muito semelhante à de Sodré Vianna, inclusive no “esquecimento” do pó de camarão seco na massa, bem como dos camarões inteiros usados para enfeitar, comum nas casas de candomblé, mas não nas baianas de rua. Ao contrário da receita de Guilherme Radel, todos falam em banho maria.
Aberém - bombom de milho |
Aberém - Hildegardes Vianna revela em notas que “deve haver alguma particularidade no preparo do aberém. Todos os meus informantes tinham sempre uma reticência e não desciam a pormenores esclarecedores” (1955, p.118). Trata-se de um aspecto que volta ao segredo dentro da culinária baiana, muito presente para a unicidade e magia da cultura, como é recorrente dentro do mito da baianidade. O segredo em torno dos “bombons” de milho, que, como disse Manoel Querino são servidos “[...] com caruru e também com mel de abelhas” (QUERINO, 2006, p.30) também está no fato de eles não fazerem mais parte da atual culinária baiana servida fora das festas nos terreiros de candomblé. Querino, talvez pelos não dizeres do candomblé, não chega a mencionar a existência de dois tipos de aberém, feitos a partir dos milhos de cores diferentes, apesar de apontar a diversidade; Sodré Vianna não evolui para dizer como cada tipo seria utilizado. Além de fazer a distinção, Hildegardes Vianna contribui para o entendimento no trato das folhas de bananeira utilizadas em muitas receitas. Darwin Brandão não menciona essa comida.
Acarajé - Alguns detalhes para o preparo do bom acarajé, como o tipo ideal de panela para fritá-lo (a de barro), que só é mencionada por Querino, a quantidade necessária e a troca de azeite não são mencionados pelos autores pesquisados, apesar de todos serem unânimes ao mencionarem a receita do molho de pimenta que acompanha o acarajé, no qual também está presente o dendê. Hildegardes Vianna acrescenta um detalhe sobre a técnica das baianas para descascar o feijão no ato de moê-lo na pedra, e Manoel Querino traz algumas valiosas observações sobre como algumas pessoas ainda preferem a pedra de ralar, utilizada durante muito tempo no preparo do acarajé e de outras iguarias baianas, o que legitima a ideia de um passado melhor do que o presente, saudosismo acerca de como eram feitas as coisas, tão bem explorado pela baianidade, através desses pequenos detalhes que passam despercebidos. O preocupante é que alguns autores, como Sodré Vianna, e posteriormente Darwin Brandão, com uma receita espantosamente semelhante àquela apresentada por Jesovi, até mesmo na grafia, deturpam a receita de um dos mais tradicionais pratos da comida baiana, adicionando ingredientes, como o camarão seco na massa, e alterando o tamanho, informando que seriam espécies de bolinhos de bacalhau, muito menores. O que realmente tem um tamanho menor é o acarajé feito pelas baianas para permanecerem no tabuleiro, como oferenda, e o acará servido na comida votiva de Iansã, mas não aquele comercializado tradicionalmente. Darwin Brandão traz uma nota explicativa que teria a intenção de esclarecer melhor uma das particularidades dessa comida.
Aluá - Somente Hildegardes Vianna e Manuel Querino trazem essa receita, que já não é vista fora dos terreiros de candomblé. O estudioso precursor se demora mais em explicar as propriedades de fermentação do que propriamente em dar detalhes de mais uma das receitas puramente africanas. Para ele, à água depois seria acrescentada rapadura, enquanto Vianna se refere ao açúcar. Ambos reconhecem também a grafia aruá sobre a qual Vianna acrescenta.
Amalá - Apesar de citar muitas comidas votivas que não aparecem nos trabalhos dos colegas, Querino não menciona o amalá. Entre os textos pesquisados encontra-se apenas a palavra “Omalá”, trazida por Edison Carneiro como “caruru especial de Xangô”(CARNEIRO, 2008, p.159). Trata-se realmente de uma comida votiva que, até mesmo nas festas dos terreiro, não costuma ser servida para o público, sendo às vezes apenas uma oferenda para o orixá do trovão.
Angú - De todos os livros pesquisados, o de Hildegardes Vianna é o único que traz observações sobre essa comida que, dada a simplicidade de ingredientes, sempre foi muito consumida pela população baiana. Ele pode ser classificado como uma espécie de pirão e, segundo a folclorista, seria acompanhamento para comidas de azeite, carnes fritas e assadas.
Angú também é comida baiana |
Arroz de Hauçá - Todos citam o uso da carne, que apesar de receber nomenclaturas diferentes – charque, para Manoel Querino e Sodré Vianna (este grafa com “x”), e carne de sertão, para Hildegardes Vianna e Darwin Brandão –, trata-se do mesmo ingrediente, a carne desidratada nordestina que deve ser frita e jogada por cima do arroz que deve ser ligado. Manoel Querino diz que não se deve usar sal no cozimento do arroz e tanto ele como Hildegardes Vianna revelam truques para que o arroz fique ligado: em Querino a utilização do pó do arroz e em Vianna cozinhar com a panela destampada que deve ser eventualmente mexida, o que não aconteceria caso se estivesse fazendo um arroz para o consumo cotidiano. Outra particularidade de Querino é que ele é o único a mencionar a utilização do molho com azeite, pimenta malagueta seca e camarões, o que também se encontra em Radel. Em Caderno de Xangô, Jesovi acrescenta uma anedota ligada a Ruy Barbosa, que num certo jantar teria divagado sobre o nome “arroz de hauçá” – advindo da tribo africana como “[...] uma corruptella de ‘arroz de água e sal’. Os pretos, na sua maneira de engulir [sic] letras, diziam ‘arroz de áua e sá’, donde ‘arroz de aussá’” (VIANNA, 1965, p.46) –, reflexão que teria deixado os convidados maravilhados.
Bobó - Todas as receitas são do bobó de inhame, o mais tradicional, apontado por Manuel Querino como uma receita tipicamente africana. Ele só fala no tempero desse prato com o efó, que está destacado como outra receita do livro, mas observando que leva, além da folha, camarão seco ralado, pimenta malagueta e o que ele denomina de azeite de cheiro, ele se aproxima do que é dito por Sodré Vianna, embora no trabalho do jornalista o ponto do prato seja mais bem explicitado. Apenas em Hildegardes Vianna aparece a presença dos camarões inteiros na massa e as variações com fruta-pão e aipim, como atualmente é consumido. Em nenhum momento as receitas falam do leite de coco, um ingrediente que hoje já faz parte das receitas de bobó (geralmente de camarão, apesar de Querino mencionar o efó temperado com peixe, que também poderia vir a fazer parte do bobó de inhame proposto por ele). A participação de Darwin Brandão não será mencionada porque sua receita aparenta ser basicamente uma cópia da que foi publicada por Manuel Querino.
Caruru - Querino, com seus hiatos nos relatos sobre o passo a passo da culinária votiva, deixa sérias dúvidas sobre a elaboração do caruru, que são repetidas por Sodré Vianna e Darwin Brandão. Ao afirmar que “em seu preparo observa-se o mesmo processo de efó [...]” (QUERINO, 2006, p.27), o autor levanta sérias questões, porque, apesar de também se admitir, tanto em Querino quando em Hildegardes Vianna, a utilização de diferentes tipos de folhas para a elaboração do caruru, sabe-se que o mais tradicional sempre foi o de quiabo; além disso, legumes e folhas têm diferentes particularidades. Ao preferir não detalhar qual o segredo do caruru, Querino deixa dúvida se dentro da comida votiva ele realmente tem esse modo de feitura diferenciado ou apenas não poderia revelar algum segredo do fazer culinário para fora das cozinhas das iabassés. O fato é que, sendo o quiabo um elemento de viscosidade alta, ele não deveria ser cozido em água como as folhas do efó, para depois passar pelo processo de tempero. Mais acertada seria a versão de Hildegardes Vianna, que propõe que os quiabos, “[...] cortados em cruz no sentido longitudinal e depois então em rodelinhas bem finas”( 1955, p.58) deveriam ser cozido em caldo de peixe seco (tanto ela quanto Querino também admitem em caldo de carne, como não se vê atualmente) e com temperos. Ela menciona a castanha, utilizada até hoje, e semente de abóbora, em desuso, referindo-se também a temperos inusitados, como o quiôiô e o catassol, os quais explica em nota.
Ebó - Comida votiva, extremamente ligada a oferendas dos orixás e servida basicamente em festas, dentro dos terreiros de candomblé, como complemento de um outro prato, o ebó só mereceu menção em Querino, dos quatro pesquisadores o único que realmente tinha proximidade com o candomblé. Querino conta que o milho deveria ser pilhado e que poderia ser servido adicionado de azeite de cheiro ou do ouri, o que denota variações a depender de qual orixá se queira agradar, já que, como diz a gente do azeite, na comida de Oxalá, um dos orixás mais importantes, não vai dendê.
Está cada vez mais difícil de achar efó |
Efó - Querino fala em efó feito de língua-de-vaca e taioba e, seguindo esses passos também estão Sodré Vianna e Darwin Brandão. Apesar de reconhecer a preferência por ambas, Hildegardes Vianna também fala em quioió, capeba, bredo de Santo Antônio, mastruço, sabugueiro, erva de Santa Maria, além do efó de folha de mostarda, que receberia o nome de Lelé. Mais uma vez, a folclorista recomenda o uso do alho para o tempero da comida baiana e Sodré Vianna é quem, dessa vez, recomenda o coentro. Outro deslize do jornalista é a recomendação do corte das folhas após o cozimento, quando o passo empregado deveria ser a secagem da massa. Tal problema também é encontrado em Darwin Brandão, que também indica a utilização do peixe, quando o trabalho de Hildegardes e Querino são claros ao se referirem ao peixe como item opcional. A pesquisadora e Sodré Vianna listam o arroz branco e o acaçá para servirem de acompanhamento; ele também fala em aberém. Atualmente, o efó é um prato pouco oferecido fora das casa de candomblé.
Farofa - Hildegardes Vianna é a única que cita a farofa – que ela grafa acrescida da letra “i” (farofia). A mais baiana de todas, a de azeite de dendê, que é citada nos livros, mas estranhamente não mencionada como receita, está entre elas. Ela sugere que se frite primeiro o azeite, mas não aponta nenhum tipo de quantidade, e dá uma dica sobre o ponto, que seria “ficar torradinha”, mas não entra em detalhes, o que, ao contrário de em muitos outros pratos, não teria tanto mistério, já que a farofa, independentemente do acompanhamento, que pode lhe dar características mais regionalizadas, é um prato nacional.
Feijoada - Todos os autores falam do emprego de variados tipos de carne e da necessidade de fazer a comida de véspera. Apesar de na atualidade se encontrar muita feijoada de feijão preto (tipicamente carioca) na Bahia, todos os autores são unânimes em dizer que na feijoada baiana o feijão é o mulatinho – isso até a década de 1950, quando pelo menos a primeira edição de cada um dos livros pesquisados já tinha sido lançado. O único que realmente se arrisca a falar especificamente de diferença dos tipos de feijoada é Darwin Brandão, que escreve: “Como é fácil de observar, a feijoada bahiana é bem diferente da do Sul; não leva verduras e é feita com feijão mulatinho” (BRANDÃO, 1948, p.31). O primeiro ponto apresentado pode ser questionável, uma vez que o registro de feijoada que tipicamente leva vegetais é a sergipana. Apesar de toda essa defesa do feijão mulatinho, Querino menciona que, na época em que escreveu, já tinha gente que preferia o preto, num dos pratos que ele classificou como tradicional da Bahia, proveniente “[...] do regime alimentar português alterado e melhorado pelo africano” (QUERINO, 2006, p.35).
Feijão - Para Manoel Querino, no feijão de azeite de dendê (humulucú) é sempre empregado o feijão do tipo fradinho, o que faz parte do sistema alimentar puramente africano. Para Hildegardes Vianna há também a opção da utilização de feijão mulatinho. Os temperos sugeridos por ambos são parecidos, com a exceção do alho, proposto por Vianna. Já o feijão de leite é classificado por Querino como pertencente ao sistema alimentar baiano. Querino, Hildegardes e Darwin Brandão reconhecem o emprego tanto do feijão mulatinho, quanto do feijão preto na massa, que leva açúcar e leite de coco. Vianna e Querino sugerem o prato como acompanhamento de peixe.
Maniçoba - Em Darwin Brandão se encontra a seguinte nota sobre a maniçoba:
Mocotó - “É uma das refeições mais apreciadas pelo povo baiano e ainda pela classe abastada” (QUERINO, 2006, p.41) – assim começa Manoel Querino a falar sobre mais um dos pratos que classifica como baiano. É interessante notar que, nessa segunda parte do livro, as receitas ganham detalhes mais minuciosos, como a necessidade de abrir a unha ao meio para lavagem com limão. A receita aparece nas quatro obras, com ingredientes e modos de preparo semelhantes. Hildegardes Vianna acrescenta o detalhe de que o mocotó também pode ser feito ensopado ou com feijão branco. Todos mencionam que a comida deve ser servida com pirão feito do próprio caldo.
Moqueca - Manuel Querino cita três tipos, Sodré Vianna quatro, Hildegardes treze e Darwin Brandão quatro, que chama de muqueca, com “u”. Todos são unânimes em citar a moqueca de peixe, mas uma das que mais fazem sucesso na atualidade, a de camarão, só é mencionada por Hildegardes e Sodré Vianna – este sugere também o acréscimo de ostras. À moqueca de Manuel Querino não é acrescentado o leite de coco, nem para a de peixe e nem para a de ovo. Para a moqueca de xaréu, ele indica a substituição do dendê pelo azeite doce (de oliva), mas não explica o porquê, informação encontrada apenas em Hildegardes Vianna: “[...] porque não toma gosto e fica todo coalhado” (VIANNA, 1955, p.117). A grande diferença entre ambos está na utilização do leite de coco, que é visto com frequência nos diferentes tipos de moqueca de Vianna. Já em Sodré Vianna já há a admissão de que as pessoas acrescentem o coco às moquecas, e em Darwin Brandão há um certo tipo de confusão, quando assume que a muqueca de bacalhau leva coco e a de ovo não pode levar o leite, sem ao menos dar uma explicação lógica sobre essa recomendação. Acredita-se que realmente se trate de um costume que foi se modificando até virar cada vez mais recorrente para, na atualidade, chegar a ser quase obrigatório num dos pratos mais famosos de comida baiana, independentemente de qual o ingrediente principal eleito. É Hildegardes Vianna quem melhor define os acompanhamentos da moqueca:
Mungunzá - Apesar de os livros serem muito centrados na culinária salgada, três deles trazem não apensa uma, mas duas receitas do mingau de milho branco com leite de coco, que no sul do País recebe o nome de canjica – Querino foi o único que não se rendeu aos “encantos” do mungunzá. Além do tradicional, feito para se beber, chamado por Sodré Vianna e Drawin Brandão de mungunzá de colher, também há espaço para o mungunzá de cortar. O primeiro é até hoje muito consumido e apreciado nas refeições e também como lanche, além de ter presença típica na festa de São João em todo o interior da Bahia.
Sarapatel - Ninguém tece grandes comentários sobre essa iguaria, que também é consumida em outros locais do País. Talvez por isso, Darwin Brandão tenha decidido deixá-lo de fora do cardápio de comidas tipicamente baianas. O fato de estar presente dentro de um livro tão criterioso como o de Querino pelo menos ajuda a comprovar seu largo consumo em terras baianas. Três detalhes, cada um encontrado numa obra distinta, valem ser mencionados: segundo Querino, o prato só deve ser temperado pouco antes de ser ingerido; Sodré Vianna complementa o raciocínio avisando que sarapatel bom é feito de véspera; e Hildegares avisa que sarapatel se come com farinha – informação interessante de ser mencionada, mas que não se mostra como nenhuma novidade para quem conhece os hábitos alimentares dos baianos.
Vatapá - Nenhum dos pratos apresentados até o momento chega a provocar polêmica quanto a ser classificado por Manuel Querino como puramente africano ou do sistema alimentar baiano. O único deles é o vatapá, que, além de se caracterizar pela sonoridade diferente de seu nome, é também sempre mencionado juntamente com outras iguarias como o acarajé, abará e caruru. É interessante assinalar que Querino grafou o nome do prato com “vatapá de galinha”, ao que acrescenta, como comentário no final do texto, que o prato é artigo de mesas elegantes. Se com isso Querino quis fazer alguma distinção de algum outro tipo de vatapá servido na comida votiva, ainda não se sabe e precisa ser pesquisado. O fato é que a galinha já não é mais ingrediente típico para a feitura do vatapá. Darwin Brandão reconhece isso em nota: “[...] ele pode ainda ser feito de galinha, mas não é mais usado assim” (BRANDÃO, 1948, p.30). Tanto Querino quanto Hildegardes Vianna admitem a incorporação de caldo de ave ou de peixe (garoupa). A autora ainda cita o vatapá de fato e de milho. Ela é a única a citar a incorporação da castanha e do amendoim, que dão um sabor todo especial ao prato, além do gengibre, que também é citado por Brandão.
O tradicional xinxim de bofe |
Xinxim - As grafias referentes a esse prato são várias: Querino se refere a “xinxim”, uma comida votiva feita com galinha, e que, além de azeite e camarão, seriam acrescidas sementes de melancia ou abóbora raladas na pedra. Sodré Vianna e Darwin Brandão também só trabalham com a possibilidade de um tipo de ingrediente, mas apresentam uma grafia diferente – “chin-chim”. As receitas também não apresentam nenhuma grande variação do que já havia sido proposto por Querino. Hildegardes menciona seis tipos do que ela chama de “chin-chin”, um dos quais tem nomenclatura diferenciada, a cabidela, ou chin-chin de miúdos da galinha. Para definir o chin-chim, autora opta por diferenciá-lo da moqueca:
A diferença entre moqueca e chin-chin está no preparo, embora no gosto se confundam. A moqueca é temperada com sal, coentro, salsa, tomate, cebola pimenta, alho, azeite de dendê. Fica com caldo. O chin-chin com sal, cebola, alho, pimenta, camarão seco, azeite de dedê. Fica seco, dobra-se a quantidade de cebola ralada. A moqueca em geral leva leite de coco. (VIANNA, 1955, p.59).
O grande diferencial de Vianna é refletir, pensar os pratos, dando muito mais informações para o leitor do que os outros autores; mas a partir desse estreitamento, alguns pontos polêmicos como a incorporação ou não do leite de coco em moquecas passam mais facilmente para pessoas de fora da cultura ou da época na qual a pesquisa foi escrita do que outros que podem estar se baseando em preceitos muito mais fidedignos. Seja por falta de oportunidade, seja pela proibição religiosa, no caso das comidas votivas, ou por qualquer outro motivo, o fato é que quem consome essas receitas, mesmo apenas em forma de leitura, sente-se mais atraído por esse tipo de informação, algumas vezes até caricatural, ponto de encontro que é muito bem aproveitado pelo discurso da baianidade quando explora o imaginário ligado à comida baiana.
Larissa em Porto Seguro criança |
Mais uma vez em PS, já adolescente |
Uma das inúmeras viagens à Chapada Diamantina - onde provei cortadinho de palma |
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